A campanha nacional Abril Azul se volta à conscientização sobre o autismo, ou Transtorno do Espectro Autista (TEA). Estabelecida pela Organização das Nações Unidas (ONU), a ação visa combater algumas das maiores barreiras para a população autista, entre elas a dificuldade em obter o diagnóstico e a inclusão social. Algumas iniciativas da rede de saúde paranaense buscam dar visibilidade a essas pessoas.
De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), 1% da população mundial é autista. Porém, o autismo ainda é subdiagnosticado, visto que a desinformação e o preconceito dificultam bastante o autoconhecimento. Ainda, as características neuroatípicas apontadas nos estudos geralmente estão associadas com a psique e comportamento masculinos, deixando de fora as sutilezas de 50% da população feminina.
Abril Azul: o que é o autismo ou Transtorno do Espectro Autista (TEA) – infância
O autismo, ou Transtorno do Espectro Autista, condição evidenciada pelo Abril Azul, é um distúrbio do desenvolvimento neurológico que causa manifestações no comportamento, como déficit na comunicação e na interação social, e padrões repetitivos e estereotipados, como aponta o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – 5a edição (DSM-5), publicado em 2014.
O início do transtorno pode começar a ser identificado na primeira infância, mas alguns sintomas característicos podem não se manifestar completamente até mais tarde, quando as demandas sociais se tornam maiores. Alguns dos primeiros indicativos do autismo infantil são:
- Desinteresse em acompanhar visualmente os pais ou responsáveis.
- Preferência por direcionar a atenção aos objetos e não às pessoas.
- Poucas vezes demonstra reações corporais aos sons da fala ou do ambiente.
- Fica muito tempo em silêncio ou emite gritos aleatórios.
- Tem crises de choro sem motivo aparente.
Identificar o autismo quanto antes pode fazer com que a criança tenha menos perdas no desenvolvimento neurológico, visto que uma equipe multidisciplinar pode entrar em ação e atuar para “compensar” as dificuldades, como fonoaudiólogos, psicólogos e terapeutas ocupacionais.
Atendimento especializado pelo Paraná além do Abril Azul
Ampara – Campo Mourão
Em Campo Mourão, Paraná, as famílias que suspeitam ou já têm laudo de autismo são encaminhadas pelas Unidades Básicas de Saúde ou pela Secretaria de Educação para o centro especializado Ampara. Lá são coletadas as primeiras informações sobre a criança e quais são as necessidades mais urgentes. A partir disso, a criança recebe o apoio de uma equipe multidisciplinar. “O tratamento visa um trabalho com a criança considerando a capacidade de neuroplasticidade, ou seja, de se modificar de acordo com os estímulos recebidos”, explica o médico pediatra, Marcelo Rodrigo Pizzato.
O atendimento a autistas e familiares começou a ser discutido e planejado na cidade em 2017, a partir da identificação de um vazio assistencial do serviço público para atender a população com diagnóstico ou suspeita de autismo. Hoje são 110 pacientes ativos sendo acompanhados. “Em 2023 houve uma média de 3.000 atendimentos com pediatras, psicólogos e assistentes sociais”, detalha a Secretária Municipal de Saúde, Camila Corchak.
TEAcolhe – Santa Terezinha de Itaipu
Já em Santa Terezinha de Itaipu, as equipes das secretarias municipais de saúde e de educação, em conjunto, criaram o Protocolo Municipal para acolhimento e atendimento de pacientes com TEA. Alinhado à isso, começou a organização da gestão municipal para estruturar equipe multiprofissional específica para esses atendimentos – e assim nasceu o Programa TEAcolhe.
Formado por médicos especializados no Autismo com o apoio de outros profissionais, como neuropediatra, terapeuta ocupacional, fisioterapeuta, psicólogo, fonoaudiólogo, nutricionista, assistente social e enfermagem, o programa atende pacientes referendados pelas equipes de saúde da família, escolas do município e rede protetora da criança e do adolescente. “O programa iniciou em fevereiro de 2024, com uma demanda de cerca de 100 pacientes, e apenas dois meses depois já atende mais de 600 pessoas que estão sendo acolhidas e avaliadas com o acompanhamento e a participação de pais e cuidadores”, comenta Fábio de Mello, secretário de saúde do município.
Programa Municipal de atendimento ao Autista – Terra Rica
Em Terra Rica, o projeto para crianças com TEA também é uma parceria entre a educação e saúde do município, e ele possui seis passos: avaliação, medicação, terapias, formação da família, formação da escola, e o tempo. Lá, cada criança tem o seu PTI – Plano de Trabalho Individualizado e passa por avaliações através de estudos de caso realizados por psicopedagogos e médicos clínicos durante grupos multidisciplinares mensais. Dessa forma, as terapias indicadas são revisadas e otimizadas para cada criança de forma próxima e acolhedora.
Além disso, a equipe também se aproxima da família em encontros mensais, para manter os cuidadores cientes sobre a evolução de cada criança. “Alguns pais acreditam que o filho melhora só com remédio, mas as crianças com TEA têm necessidade de acompanhamento próximo e constante, que depende da realização correta das terapias pelo tempo indicado”, explica Leia Silvia de Mello Scalla Menotti, secretária de saúde do município de Terra Rica.
TEAmo, famílias atípicas – Sapopema
Já em Sapopema, a secretaria de saúde do município criou um grupo de apoio às famílias de pessoas com TEA que se reúne mensalmente. Durante os encontros, são realizadas palestras de profissionais da saúde relacionadas ao tema. “Os pais trocam experiências, informações, indicações, vivências, etc. Esse trabalho tem sido exitoso, as famílias estão engajadas e temos planejamento de expansão do grupo para o futuro!”, comenta Joile Cristina Simionato Mallmann Novo Soares, assistente social do município.
Qualidade de vida e direitos do/a autista
Carteira de Identificação da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (CIPTEA)
Baseada na Lei 13.977, de 2020, ou Lei Romeo Mion, que estabelece a emissão de uma Carteira de Identificação da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (TEA), o documento assegura direitos e prioridade de atendimento em serviços públicos e estabelecimentos privados para pessoas autistas em todo o Paraná. Pode ser solicitado e emitido de forma 100% online e gratuita.
Para emitir a CIPTEA é necessário o relatório médico com a indicação do código da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas relacionados à Saúde (CID). O requerimento deve conter os dados:
- Nome completo
- Filiação
- Local e data do nascimento
- Número da carteira de identidade
- Número do CPF
- Tipo sanguíneo
- Endereço residencial e telefone
- Foto 3×4
- Assinatura ou impressão digital do interessado
Em 2023 foram emitidas 12.175 carteirinhas no Paraná, um crescimento de 214% em relação a 2022, com 3.868 unidades.
Protetores de cinto de segurança
Como continuidade da campanha Abril Azul, em 2022 a Secretaria de Saúde do Paraná começou a disponibilizar protetores de cinto de segurança para as pessoas que possuem a Carteira de Identificação da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (CIPTEA).
Esses protetores são importantes já que as pessoas autistas podem ter dificuldade em se expressar e, caso sofram algum acidente, podem ser melhor atendidas.
Capacitação multiprofissional em Análise do Comportamento Aplicada (ABA) voltada ao Transtorno do Espectro do Autismo (TEA)
Médicos, psicólogos, fonoaudiólogos, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, enfermeiros, assistentes sociais, cirurgiões-dentistas, bem como gestores da Rede SUS do Estado do Paraná podem se capacitar na metodologia específica para a pessoa autista.
O foco está no desenvolvimento de sua autonomia, por meio da aprendizagem de importantes habilidades sociais e motoras nas áreas de comunicação e autocuidado, bem como na redução de comportamentos não adaptativos, como estereotipias, agressividade e controle de raiva.
Direitos da pessoa autista
Como aponta a assistente social, Sandra Vivian Bardini, a maioria das pessoas desconhece os direitos que os autistas possuem. Por isso, no Abril Azul trazemos algumas indicações importantes.
1- Acesso ao tratamento multiprofissional, o suporte fundamental no TEA
Com base na Lei nº 12.764, de 27 de dezembro de 2012 (Lei Berenice Piana) e seus desdobramentos, as pessoas autistas têm assegurados os mesmos direitos que as pessoas com deficiência para todos os efeitos legais. Dessa forma, famílias contam com direitos tanto na rede pública de saúde, como nos planos de saúde.
Na rede pública, a pessoa autista tem o direito do diagnóstico precoce; acesso a medicamentos e intervenção, por meio de equipe multidisciplinar; e alcance de terapias especializadas, sendo a principal a Análise do Comportamento Aplicada.
Já os planos de saúde são obrigados a arcar com os custos do atendimento especializado pela equipe multidisciplinar conforme indicação médica e, na falta destes profissionais, as famílias devem procurar os profissionais na rede particular de atendimento e exigir o reembolso.
2- Medicamentos gratuitos
Os medicamentos usados para comorbidades do autismo também podem ser acessados gratuitamente na rede pública. Aqueles de alto custo que não estiverem disponíveis na podem ser solicitados se houver justificativas comprovadas para seu uso pelo paciente.
3- Sessões de terapias irrestritas
De acordo com a regulamentação definida pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), pessoas diagnosticadas com TEA devem ter acesso a quantas sessões de terapia e intervenções forem necessárias.
4- Sem carência nos planos de saúde
Como o autismo não é uma doença, não há carência estendida para iniciar as intervenções necessárias.
Abril Azul: outras características da pessoa autista
A Classificação Internacional de Doenças da Organização Mundial de Saúde (CID-11), de 2022, divide a condição de acordo com a presença ou ausência de Deficiência Intelectual e/ou comprometimento da linguagem (fala). Alguns indicativos do transtorno são dificuldades nos itens abaixo:
- Incompreensão, desinteresse ou respostas inadequadas às comunicações sociais verbais ou não-verbais de outras pessoas.
- Falta de integração da linguagem falada com comunicação não-verbal complementar típica, como contato visual, gestos, expressões faciais e linguagem corporal.
- Incompreensão e uso inadequado da linguagem em contextos sociais e incapacidade de iniciar e manter conversas sociais recíprocas.
- Pouca consciência social, levando a comportamentos que não são modulados adequadamente de acordo com o contexto social.
- Baixa capacidade de imaginar e responder aos sentimentos, estados emocionais e atitudes dos outros.
- Dificuldade de compartilhar interesses com outras pessoas.
- Padrões persistentes, restritos, repetitivos e inflexíveis de comportamento, interesses ou atividades que são claramente atípicos ou excessivos para a idade e contexto sociocultural.
- Falta de adaptabilidade a novas experiências e circunstâncias, com sofrimento associado, que pode ser evocado por mudanças simples num ambiente familiar ou em resposta a eventos imprevistos.
- Adesão inflexível a rotinas específicas. Ex: sempre pegar as mesmas rotas ou comer nos mesmos horários.
- Aderência excessiva às regras (por exemplo, ao jogar).
- Padrões de comportamento ritualizados excessivos e persistentes (por exemplo, preocupação em alinhar ou classificar objetos de uma maneira específica) que não servem a nenhum propósito externo aparente.
- Movimentos motores repetitivos e estereotipados, como movimentos de todo o corpo (por exemplo, balançar), marcha atípica (por exemplo, andar na ponta dos pés), movimentos e posturas incomuns das mãos ou dos dedos. Esses comportamentos são particularmente comuns durante a primeira infância.
- Preocupação persistente com um ou mais interesses especiais, partes de objetos ou tipos específicos de estímulos (incluindo mídia) ou um apego a objetos específicos.
- Hipersensibilidade ou hiposensibilidade excessiva e persistente ao longo da vida a estímulos sensoriais ou interesse incomum em um estímulo sensorial, que pode incluir sons, luz, texturas (especialmente roupas e alimentos), reais ou antecipados, odores e sabores, calor, frio ou dor.
O autismo não é uma doença e evidências científicas apontam que não há uma causa única, mas sim a interação de fatores genéticos e ambientais. É apenas uma outra forma de se relacionar com o mundo e com os outros.
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